SHAMAN – RESCUE

20 ANOS DEPOIS DA ESTREIA, A RENASCENÇA…

Por Ricardo Batalha (*)

Resiliência não é uma “palavra da moda”. Ela significa superação e força, algo que o Shaman sempre mostrou. Ter o poder de acessar outras dimensões e determinação ao escrever sobre uma perda irreparável e musicá-la. Andre Matos se foi, mas ficaria orgulhoso de ouvir o conteúdo de “Rescue”. Com letras abordando sobre as perdas e as fases do luto, “mas não de uma maneira negativa”, segundo contou o vocalista Alirio Netto, o repertório álbum traz um elemento fundamental que faz a música lhe tocar: sentimento. Para quem hoje vê de fora, mas esteve ao lado da banda em diversos momentos, incluindo o dia da escolha do próprio nome Shaman, houve, primeiramente, a emoção em saber que os irmãos Hugo e Luis Mariutti, Ricardo Confessori e Fábio Ribeiro seguiriam o legado contando com os dotes de um cantor impressionante como Alirio Netto. Sim, sabemos que ficará para sempre a marca de “o substituto do saudoso Andre Matos”. Porém, aqui se inicia uma nova fase, um novo mundo. É um olhar para o passado, com muito respeito, e um passo para o futuro.

FAIXA A FAIXA: OUVINDO PELA PRIMEIRA VEZ…

Não quis ouvir o disco inteiro várias vezes, como faria se fosse resenhá-lo para a revista Roadie Crew, onde trabalho desde 1996 e que teve seu nome inspirado efetivamente no trabalho que o editor, Claudio Vicentin, e eu tivemos quando trabalhamos de roadie de Confessori. Preferi fazer aquilo que hoje chamam de “react”. Sim, quem nunca viu um vídeo react? Por isso, escolhi dar o play “no escuro” e sentir a emoção fluir, algo que vocês, fãs, vão sentir a partir do dia 15 de abril.

01. TRIBUTE (INTRO)
A introdução é longa, densa e cinematográfica, gerando um clima e uma expectativa para o que está por vir. Feche os olhos e aguarde…

02. TIME IS RUNNING OUT
Mais acelerada, mas não speed, “Time is Running Out” traz exatamente o DNA dos músicos. Um heavy metal com a marca Shaman. É exatamente aquele olhar para o passado e um olhar para o futuro. A parada no meio, com bateria mais tribal, com riffs pesados e o baixo de Luis Mariutti aparecendo com destaque nos ‘two hands’, dão um clima especial antes da ponte que antecede os solos, iniciando com teclado mais progressivo e emendado com o de guitarra, com uma entrada furiosa. Além disso, a versatilidade de Alirio Netto comprova, de cara, o motivo pelo qual foi escolhido para o posto.

03. THE “I” INSIDE
O início mais tribal e climático remete à marca estilística da fase “Holy Land” do Angra, que também serviu de base para diversos momentos da carreira do Shaman. Mas isto, obviamente, é o clima inicial da música, que depois mantém a vibe de “Time is Running Out”, com o beat também acelerado, contratempos e uma refrão forte. Os teclados ao fundo, mais orquestrais, dão um tempero extra. Na caída, o piano de Alirio Netto e o violino alternam para uma atmosfera cinematográfica com vocais emocionais. É o lado prog do Shaman falando mais alto. Na sequência, o solo de Hugo Mariutti nos faz lembrar a pegada Steve Rothery, do Marillion. Não por acaso, uma de suas referências. Então, volta o clima tribal e as percussões de Confessori, e mais um solo de Hugo, desta vez no clima heavy metal. Uma música completa que agrupa quase todos os elementos da musicalidade do Shaman.

04. DON’T LET IT RAIN
Música grandiosa e versátil, com belas harmonias, climas intensos e bela interpretação vocal. Nessa, a vocalização de Alirio Netto nos faz lembrar o saudoso Maestro. Um refrão empolgante que arrepia. A sensação é de estar diante de uma tela sendo pintada. Mais uma vez, a mão de Hugo Mariutti acerta em um solo melódico, que cabe para o que a música pede. A veia prog e até AOR falou alto aqui.

05. WHERE ARE YOU NOW?
Conforme a parte lírica retrata, esta música traz uma veia mais melancólica e introspectiva em seu início e cai para uma linha rock progressivo, com cara de balada, mas que tem suas variações. O crescendo muda o panorama e a deixa mais vibrante. Atente para os climas dos teclados de Fábio Ribeiro. Bem colocada na ordem do repertório, deixa “Rescue” com a dinâmica ideal.

06. THE SPIRIT
Introdução que vai crescendo até chegar a uma melodia que remete aos bons tempos do Iron Maiden. Depois, a velocidade (sem exageros) entra em cena e eis que temos um power/heavy metal com a identidade do Shaman. Confessori aqui coloca sua personalidade e Alirio Netto sobe a voz no campo agudo em alguns momentos. A caída traz um solo de teclado muito bem encaixado, com um timbre fenomenal, seguido por um mais curto de Hugo Mariutti. A essência dos velhos tempos foi mantida.

07. GONE TOO SOON
Um tributo a astros que se foram, “Gone Too Soon” vem com piano acústico, orquestrações e o vocal de Alirio Netto. Depois, a intensidade melódica, com a cara do Queen, segue para um tom mais grandioso, épico e progressivo. Uma música intensa, de pura reflexão, que dá vontade de colocar no repeat. Algo que nem todos atentam, mas vale destacar é o brilho dos timbres dos instrumentos. Por sinal, em que pese a produção ter sido feita à distância, somente com Alirio Netto de forma presencial ao lado de Sascha Paeth, nota-se que o produtor conhece muito a concepção musical e as nuances do Shaman. Assim, não seria difícil classificá-lo como o sexto membro, pois obteve um resultado fenomenal na produção de “Rescue”.

08. THE BOUNDARIES OF HEAVEN
Com começo mais prog, a música logo segue com guitarras mais pesadas, encorpadas e belas harmonias. Atente, novamente, para as camas de teclado. A energia sobe na ponte e refrão, que também remete aos velhos tempos. Antes da caída aos 3″, temos belas linhas dobradas na guitarra, com os dois bumbos comendo e o baixo de Luis Mariutti bem encorpado. Depois, o lado prog volta à carga. No final, o andamento fica mais speed até terminar em fade out.

09. BRAND NEW ME
Lançada como videoclipe, esta música já marcou pela ação de ter uma arte de capa vinda através de um concurso, no qual os próprios fãs enviaram suas artes – os próprios integrantes escolheram a arte do ilustrador Eduardo Untura. Musicalmente, ela também conecta com o passado, com narrativas xamânicas – sim, tivemos isso na música “The Shaman”, do Angra, e em alguns momentos do Shaman. Afinal, o conceito da banda veio daí. A música mais acústica, com violões e camas de teclado depois segue para melodias curtas, e incríveis, da guitarra de Hugo Mariutti. Versátil, traz diversos climas e tem também um lado cinematográfico.

10. WHAT IF?
Escutando pela primeira vez, vale ressaltar o cuidado que a banda e o produtor Sascha Paeth tiveram em criar climas e atmosferas, como na introdução de “What If?”. Em um primeiro momento pode parecer “simples”, mas a música segue uma sequência de crescendos com a bateria tribal, baixo potente de Luis Mariutti e linhas vocais marcantes. Intensa e forte, trata-se de uma das melhores do repertório. E definir isso não é fácil, porque a dinâmica do álbum também parece ter sido muito bem estudada.

11. THE FINAL RESCUE
O ‘Outro’ do álbum, encerra o repertório de “Rescue” da mesma forma cinematográfica que se iniciou. Feche os olhos e contemple o trabalho de Fábio Ribeiro e Marcus Viana.

12. RESILIENCE
A faixa bônus vem realmente triste e melancólica pelo início acústico e a presença do violinista Marcus Viana. Fala sobre resiliência, conectando aqui com o que mencionei no início. Se a palavra significa superação e força, saiba que você está diante do novo Shaman. E ele está forte. Muito forte! E, sim, lá de cima certamente terá as bênçãos de Andre Matos.

CAPA
Criada pelo renomado Carlos Fides, que já fez trabalhos para nomes como Almah, FlowerLeaf, Evergrey, Semblant, Noturnall, Alchemia, Trezzy e Kryour, a bela arte de “Rescue” traz a colorização tradicional do Shaman. Mais que isso, ela retrata bem o elo passado, presente e futuro.

RESGATE
(*) Ricardo Batalha, 52 anos, é redator-chefe da revista Roadie Crew, onde o Shaman teve a sua primeira matéria de capa publicada. Estudou junto no colegial e depois trabalhou para Ricardo Confessori como roadie. Esteve presente na reunião inicial em que houve a votação para o nome Shaman, uma indicação de Luis Mariutti, que acompanhava de perto desde os tempos de Firebox e que torce pelo mesmo time. Filmou diversos shows, nos anos 1980, com Fábio Ribeiro sendo o tecladista da banda A Chave do Sol. E lamenta por não ter conseguido entrar no Black Jack Bar no primeiro show do Angra, que teve abertura a cargo do Wardeath, primeira banda de Hugo Mariutti, outro grande fã de Marillion.


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